Discurso de posse do presidente Wellington Leonardo da Silva

Boa noite às prezadas e aos prezados Economistas, convidados, autoridades presentes, conselheiros que já fazem parte do Plenário do Conselho Federal de Economia, os que hoje tomam posse e componentes da mesa.

Eu e Bianca Lopes Rodrigues fomos eleitos para presidir o Conselho Federal de Economia em um período no qual estão sendo implementadas em vários países reformas de caráter reacionário, cujos resultados efetivos para os trabalhadores são a perda de direitos sociais e trabalhistas, duramente conquistados ao longo de décadas, rebaixamento da qualidade de vida, precários serviços de saúde pública, sequestro de direitos previdenciários e o comprometimento do futuro de milhares de seus filhos em função do sucateamento e asfixia financeira das instituições de ensino público, desde as responsáveis pela alfabetização até as de ensino superior.

Este retrocesso ao princípio do século dezenove no que se refere à relação capital-trabalho, está em curso na maior parte da América Latina e do Caribe, conforme testemunharam economistas de 14 países da região em recente encontro da Associação de Economistas da América Latina y el Caribe, no Panamá.

Mas este movimento, cujos comandantes são os banqueiros e rentistas, não se limita aos países subdesenvolvidos. A partir da crise cíclica do capitalismo, iniciada em 2008, até mesmo países europeus que tinham avançado em direitos sociais passaram a ter elevadas taxas de desemprego e tomaram medidas destinadas a beneficiar o sistema financeiro e precarizar a condição de vida dos trabalhadores.

No Brasil, as reformas até aqui aprovadas a toque de caixa, a exemplo da trabalhista, têm exibido como primeiros resultados situações tão cruéis quanto mesquinhas. Em um país onde os conservadores dedicam significativo tempo para propagandear as benesses proporcionadas pelo empreendedorismo e pela “pejotização”, formas que o capital tem utilizado para desvincular-se dos aportes financeiros necessários para manter os modestos direitos sociais da classe laboral, a primeira medida da universidade privada Estácio de Sá, com presença em vários estados brasileiros, foi demitir mil e duzentos de seus professores com o objetivo vexaminoso de, ao recontratá-los, pungar do salário de cada um deles R$ 426,00. Detalhe, o salário médio orbitava a casa dos R$ 3.000,00, portanto, de nenhuma forma, nababesco. Outras conceituadas universidades privadas intentavam executar a mesma operação, mas acautelaram-se por conta de uma derrota jurídica da Estácio.

Empresários que operam no ramo da alimentação rápida, hoje contratam por hora trabalhada, sem nenhum tipo de vínculo empregatício, pagando a extraordinária soma de R$ 4,50 por hora em alguns casos. As ruas dos grandes centros urbanos voltaram a ser ocupadas por trabalhadores informais, os chamados camelôs, e os reacionários de plantão, acantonados em ministérios, usam este contingente subempregado para anunciar taxas de desemprego menores, argumentando que a reforma trabalhista já começou a gerar empregos, em uma mistificação deplorável.

Enquanto isso, as universidades públicas são garroteadas financeiramente pelo Estado, com o claro objetivo de transformá-las em instituições privadas e pagas em breve espaço de tempo, o que inviabilizará o acesso da maioria da população ao conhecimento e à melhoria de sua capacidade laboral, em virtude das elevadas mensalidades cobradas pelas universidades particulares.

Esses poucos exemplos dos impactos diretos nas vidas de pessoas ocorrem em um país no qual apenas cinco bilionários detêm a riqueza equivalente à renda total da metade da população mais pobre do País. Os dados fazem parte do relatório “Recompensem o trabalho, não a riqueza”, da organização não governamental (ONG) britânica Oxfam, que participa do Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, do qual me permito citar outros poucos dados.

A lista é liderada por Jorge Paulo Lemann, 77 anos, sócio do fundo 3G Capital, seguido por Joseph Safra, de 78 anos, do Banco Safra. O terceiro e quarto lugares também são da 3G Capital: Marcel Herrmann Telles, 67 anos, e Carlos Alberto Sicupira, 69 anos. Em quinto lugar está Eduardo Saverin, do Facebook. Quando a lista foi elaborada, ainda não se tinha a informação de que o dono da AMBEV já despontava em posição bem confortável neste clube.

O Brasil ganhou 12 bilionários em 2017, passando de 31 para 43. “Isso significa que há mais pessoas concentrando riqueza. A gente não encontrou ainda um caminho para enfrentar essa desigualdade”, afirmou Katia Maia, diretora executiva da Oxfam Brasil.

O patrimônio dos bilionários brasileiros alcançou R$ 549 bilhões no ano passado, um crescimento de 13% em relação a 2016. Por outro lado, os 50% mais pobres tiveram a sua fatia na renda nacional reduzida de 2,7% para 2%. Um brasileiro que ganha um salário mínimo precisaria trabalhar 19 anos para ganhar o mesmo que recebe em um mês uma pessoa enquadrada entre o 0,1% mais rico.

De toda a riqueza gerada no mundo em 2017, 82% ficaram concentrados nas mãos dos que estão na faixa de 1% mais ricos, enquanto a metade mais pobre – o equivalente a 3,7 bilhões de pessoas – não ficou com nada. O documento destaca que houve um aumento histórico no número de bilionários no ano passado: um a mais a cada dois dias. Segundo a Oxfam, esse aumento seria suficiente para acabar com a pobreza extrema no planeta sete vezes. Atualmente há 2.043 bilionários no mundo. A concentração de riqueza também reflete a disparidade de gênero, pois a cada dez bilionários nove são homens.

O relatório pede que os ricos paguem uma “cota justa” de impostos e tributos e que sejam aumentados os gastos públicos com educação e saúde. “A Oxfam estima que um imposto global de 1,5% sobre a riqueza dos bilionários poderia cobrir os custos de manter todas as crianças na escola.”

Em referência ao título desta edição do relatório: Recompensem o trabalho, não a riqueza, a Oxfam afirma que atualmente “os níveis de desigualdade extrema excedem em muito o que poderia ser justificado por talento, esforço e disposição de assumir riscos”. Segundo a organização, a maioria das riquezas acumuladas se deve a heranças, monopólios ou relações clientelistas com os governos.

“É um círculo vicioso do qual a gente precisa se livrar. A desigualdade gera desigualdade, quanto mais rico você é, mais dinheiro consegue gerar para você mesmo”, registra o relatório da Oxfam Brasil.

Mas o que estas questões têm a ver com o Conselho Federal de Economia?

Tudo!

Dentre as atribuições da Autarquia, previstas na Lei 1.411/51, estão a de contribuir para a formação de sadia mentalidade econômica através da disseminação da técnica econômica nos diversos setores da economia nacional e promover estudos e campanhas em prol da racionalização econômica do país.

Para dar conta destas atribuições é necessário perceber com clareza o cenário econômico existente hoje no mundo e no Brasil, as interações entre países e blocos, a mudança da lógica de dominação das grandes potências e de suas populações e, sobretudo, as estratégias de financeirização da economia e de captura dos Estado pelo sistema financeiro.

A eleição de Trump nos Estados Unidos teve como base a insatisfação do americano médio com a perda de postos de trabalho e de qualidade de vida em virtude da saída constante de empresas americanas para países onde os salários são mais baixos como forma de elevar suas margens de lucro. Os americanos que elegeram Trump deixam claro que não aceitam pagar o elevado preço da busca desenfreada por lucro com a perda da qualidade de vida e de seus empregos. Ao perceberem o real significado da globalização, eles hoje questionam se ela lhes serve quando as empresas americanas mudam suas sedes ou abrem filiais importantes na Ásia, ou em outra parte do mundo, onde as elites locais e seus governos ainda lhes entregam fartos subsídios e isenções fiscais, proporcionando mais aumento em suas margens de lucro.

Para manter sua hegemonia econômica e política, os banqueiros e rentistas americanos e de outras potências não podem permitir alinhamentos geopolíticos ou mesmo alianças pontuais entre nações capazes de potencializar mutuamente seus processos de desenvolvimento. Precisam, para manter seu império de tipo romano, apropriar-se das riquezas naturais das nações mais frágeis, a exemplo do pré-sal, dos aquíferos e das reservas minerais brasileiras, adquirir grandes extensões de terra com o objetivo de instalar enclaves territoriais, bases militares para defender militarmente seus interesses e inviabilizar iniciativas como a do Banco dos BRICS, alternativa de financiamento desvinculada dos atuais jogadores do mundo das finanças.

Essas estratégias são executadas com o apoio dos banqueiros de segunda categoria e das “elites” locais dos países mais frágeis capazes de destruir as bases necessárias para alavancar processos desenvolvimentistas. Afinal de contas, lhes deve bastar dedicarem-se a exportar soja, carne e demais produtos primários, deixando de lado a produção de submarinos, aviões e o desenvolvimento tecnológico. E alguns de nós ainda cometem o erro de apostar em um futuro promissor para nosso país tendo como locomotiva principal o agronegócio. Nada contra o segmento, apenas estou afirmando que ele é insuficiente para gerar bem-estar e qualidade de vida à população brasileira.

Ainda há pouco me referi a “elites” locais e quero contextualizar. No Brasil a existência daquilo que se compreende por elite é absolutamente questionável. Em qualquer lugar do mundo onde existe uma elite decente, ela elabora planejamentos de longo prazo voltados para atingir níveis de soberania e desenvolvimento adequados com o objetivo de propiciar qualidade de vida para a população como um todo.

As instituições onde se abrigam os poderes executivo, legislativo e judiciário, agem com isenção, lisura, decência e cumprem rigorosamente as leis. No Brasil já há algum tempo não tem sido assim. Decisões judiciais são tomadas de acordo com os interesses e a origem daqueles que se julgam donos do poder, ou seja, as elites locais” a que me referi, e com a origem do paciente.

Se o paciente é da mesma camarilha do julgador ele pode ser beneficiado com posto político que lhe proporcione foro privilegiado. Se não for, de jeito nenhum, mesmo que tanto um como outro estejam sendo acusados pelos mesmos supostos delitos.

Em alguns casos, para condenar réus, também não pertencentes à camarilha dos julgadores, não haverá a necessidade da exigência de provas. Afinal, provas para quê? Bastam convicções, ilações e uma ou outra projeção de power point. Em caso de recurso na segunda instância, convicções e ilações serão suficientes, podendo-se dispensar os power points.

As relações dos poderes Executivo e de larga parcela do Legislativo com os empresários nacionais, segundo o ex-deputado pelo PP Pedro Corrêa, em recente entrevista, de página inteira, sempre foram baseadas em superfaturamento de obras, corrupção e pagamento de propinas ao longo dos 40 anos em que atuou como político. Onde estavam os Tribunais de Contas dos Estados e da União que nada viram e aprovaram as contas de presidentes, governadores e prefeitos, com raras exceções, durante todo este tempo? Onde estava o zelo de ministros que engavetaram o processo que proibia financiamento de campanhas eleitorais por empresários para políticos? Também não desconfiavam do quadro descrito por Pedro Corrêa?

Até mesmo a velocidade dos processos judiciais depende de quem for o cliente. Quando os objetos forem helicocas ou aviões transportando o mesmo tipo de carga, será preciso muita calma. Entretanto, para alguns outros casos a celeridade pode e deve ser alucinante.

O que esperar desta “elite”? Em minha opinião, apenas mais do que ela tem feito: dobrar-se diante de interesses estrangeiros, vender o patrimônio nacional a preço de banana e até mesmo entregar partes do território nacional.

Para finalizar, volto agora ao papel do Conselho Federal de Economia em relação a essas questões. A Autarquia tem o dever de se posicionar sobre política econômica e não pode se eximir dessa responsabilidade. No momento em que vivemos no Brasil, dada a natureza de sua “elite”, tem também o dever de se pronunciar sobre questões políticas e geopolíticas que influam na execução de políticas econômicas. Evidentemente, após realizar em suas sessões plenárias os debates necessários sobre as posições existentes e decidir, quando não houver consenso, pelo democrático caminho do voto, como Bianca e eu propusemos em nosso Programa de Trabalho.

Ainda sobre política econômica considero importante incorporarmos a prática de ouvir mais, além dos excelentes economistas com os quais podemos contar, as demandas apresentadas pelos movimentos sociais, de forma a calcar na realidade a aplicação das técnicas que dominamos.

A composição desta mesa foi estabelecida com esta preocupação e representa minha concordância com a opinião do Filósofo Chileno e Professor da USP Vladimir Safatle de que o futuro mais alvissareiro será precedido pela politização e resolução dos conflitos distributivos.

Muito obrigado!