Artigo – O paradoxo da indústria moderna e a lei do retorno da indústria ao crédito interno

  • 28 de dezembro de 2017
  • Artigo

Em 1999, Regis Bonelli e Robson Gonçalves, em “Padrões de desenvolvimento industrial no Brasil-1980/1995”, fizeram um trabalho exaustivo sobre a queda persistente do valor adicionado da indústria brasileira no PIB desde 1980 a 1995. Dentre as conclusões eis uma basilar: “em outros termos, essa ‘desindustrialização’ deve ser encarada como um fenômeno inerente ao próprio desenvolvimento industrial”.

O estudo compara a evolução do VAI (Valor Adicionado da Indústria) brasileiro ao de doze países desenvolvidos, onde a indústria é tida como madura, inclusive Estados Unidos da América, Alemanha, Itália, Inglaterra e Japão. O fenômeno se repete: decrescimento do VAI ao longo dos anos estudados. A tabela I demonstra isso, de 1980 a 1995.

Em 2014, o IBRE/FGV demonstrou que o VAI brasileiro era de 10,80%, portanto 1/3 do de 1980, e que a participação do VAI brasileiro de 2014 era o mesmo de 1947, ou seja, de 67 anos atrás.

             

 

 

Tabela I

 

 

 

 

Valor adicionado na Industria Brasileira de 1980 a 2014

 

 

 

 

 

 

 

Brasil

Media de 12 paises desenvolvidos

 

 

 

 

1980

31,10%

24%

 

 

 

 

1985

20%

23,70%

 

 

 

 

1990

23%

22,30%

 

 

 

 

1995

22,70%

20,50%

 

 

 

 

2014

10,80%

 

 

 

 

 

2015

10,47%

 

 

 

 

 

2016

10,15%

 

 

 

 

 

2017

9,84%

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Fonte: Unido(1997) e Banco Mundial (1996)

 

 

 

 

 

 

de Padrões de Desenvolvimento Industrial no Brasil-1980 a 1995

 

 

 

 

 

 

Por Regis Bonelli e Robson Goncalves.

 

 

 

 

 

 

Fonte:IBRE,FGV, em Valor.com.br em 25.12.2015

 

 

 

 

 

 

 

Com base nos dados anteriores, fiz uma projeção para os três anos seguintes: 2015, 2016 e 2017, e verificamos que a tendência seria de decrescimento, conforme Tabela I.

Como analisar esses fatos à luz dos dados inconsistentes? Quais são as informações essenciais que acompanham tamanha transformação na indústria brasileira moderna? Nós vamos partir de uma equação singela:  o valor adicionado criado é igual ao valor adicionado distribuído.

Os dados do valor adicionado criado no período são os dados da participação do PIB industrial no PIB brasileiro. É de decrescimento. Para os dados do valor adicionado distribuído tomaremos como variável aproximada a participação do emprego na indústria brasileira de 1980 em diante, vis a vis a participação do emprego no setor de serviço e comércio, com dados do IBGE. O que se verifica é uma mudança estrutural, isto é, a transferência de mão de obra do setor industrial para o de serviço/comércio

           

 

 

Tabela 2

 

 

 

 

Emprego na Industria e Comercio & Serviço

 

 

 

 

 

Industria

 %

Com e Serv

 %

total

1980

10674977

0,60091

7089709

0,39909

17764686

1991

7449383

0,632126

4335261

0,367874

11784644

2000

14497950

0,427368

19425844

0,572632

33923794

2010

18210678

0,444563

22752465

0,555437

40963143

.Fonte: IBGE

Em 30 anos, de um total de 17,7 milhões de trabalhadores empregados nos dois setores: indústria e comercio& serviços em 1980, saltou para 40,9 milhões de trabalhadores em 2010, sendo que a partição desse pessoal ocupado se inverteu ao longo dos trinta anos. De uma participação majoritária da indústria, com 60% em 1980, passou para uma participação minoritária, de 44,4% em 2010. A tendência à maior integração de mão de obra e de recursos da indústria ao serviço&comércio no Brasil se verifica também no mundo civilizado, conforme Regis Bonelli e Gonçalves, 1999.

Se maior integração da Indústria/Serviço implica em menor valor adicionado distribuído para a classe trabalhadora, isso implicou também em maior capacidade produtiva da moderna indústria brasileira ao longo de 1980 em diante. A partir do consumo da energia elétrica em tonelada equivalente de petróleo, de 1980 em diante, dados extraídos do Balanço de Energia Nacional do Ministério de Minas e Energia e do quadro de trabalhadores envolvidos na indústria e no serviço/comércio para o mesmo período, verifica-se que a planta industrial brasileira medida pela intensividade do uso da energia versus mão de obra empregada passou de um patamar de 1,58 para 2,08, e que serviços/comércio passou de 0,11 para 0,13. Isto é, as plantas industriais estão mais automatizadas a partir do maior consumo de energia no período, logo com maior poder de produção. E no setor comércio/serviço verifica-se um maior consumo de energia (trabalho morto) no período, mas a demanda por trabalhadores (trabalho vivo) foi maior, conforme dados da tabela 3.

C

Tabela 3

 

Energia Versus Emprego

 

 

 

Industrtia

Com&Serv

1980

1,588148

0,114426

1990                     e 1991

1,48199

17,18%

2010

2,085361

0,131296

Fonte : IBGE e BNE,MME

 

 

 

Eis o paradoxo da indústria moderna brasileira, maior capacidade de produção e menor valor adicionado criado, e consequentemente menor valor adicionado distribuído. Ao lado da maior integração com o setor de serviço/comércio há que se observar o fenômeno da terceirização dos serviços da indústria no período. Conforme pesquisa FIRJAN, SEBRE, FGV e outros em 2007, junto a 416 indústrias brasileiras, envolvendo um contingente de 495.940 trabalhadores, verificou-se que 71,42% dos respondentes iriam terceirizar as áreas de gestão em 2015 nos seguintes itens: Tecnologia da Informação, Contabilidade, Jurídica, Recursos Humanos, Serviços Gerais e Financeira. E 95,7% dos respondentes iriam terceirizar, em 2015, a área operacional nos itens: Produção, Manutenção, Engenharia, Qualidade, Meio Ambiente e P&D.

Para o valor adicionado distribuído pela indústria não se encerra apenas para a classe trabalhadora, mas também para o capital próprio e para o Estado. Se medirmos a arrecadação do IPI em relação ao PIB, ou em relação à arrecadação total pela Receita Federal, constataremos isso no período a partir de 1980, embora os dados que se dispõe sejam de 2011 a 2016. Envolvendo a arrecadação de IPI de nove (9) setores que mais contribuem: Bebidas; Fumo; Química; Borracha e Matéria Plástica; Veículos, Reboques e Carrocerias; Celulose, Papel e Produtos de papel; Metalurgia; Comércio e Reparação de Veículos Automotores e Motocicletas; Comércio Atacadista, Exceto Veículos Automotores e Motocicletas.

 

 

   

Tabela 4

     

 Ano

IPI

Arrecad. Tributaria exceto a Previenciaria

2011

33340

 

667325

 

5,00%

2012

32433

 

689767

 

4,70%

2013

32885

 

768724

 

4,28%

2014

35321

 

788923

 

4,48%

2015

33998

 

826843

 

4,11%

2016

30320

 

883262

 

3,43%

 

Fonte: Receita Federal. Em milhões de reais

 

 

 

 

 

Em apenas seis (6) anos, a arrecadação relativa do IPI decresceu -6,06 ao ano, de 2011 a 2016, passando de um patamar de 5% para apenas 3,43% do total da arrecadação da Receita Federal. Se a comparação for feita a partir de 1980, o decréscimo deve ser maior seja qual for o indicador, pelo IPI/PIB ou pela IPI/Arrecadação da Receita Federal.

Contudo esses dados da relação dos impostos com o descenso do VAI comportam mais de uma leitura: há que se levar em consideração a rentabilidade do capital próprio que depende do nível de utilização da capacidade instalada, do mark up industrial praticado, e do custo financeiro do passivo industrial. Na pior das hipóteses, isso significa maior propensão da indústria para o crédito, tanto o dirigido quando o crédito livre.

O crédito para o giro do negócio quanto o de financiamento de longo prazo é fundamental nesta hora. Segundo declaração do diretor do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos da FIESP, Paulo Francini, ao Diário de Pernambuco, em 1/3/2017: “As condições de crédito continuam muito ruins e, para a indústria, são piores. As empresas estão em grandes dificuldades conhecidas pelos bancos”. Mais que na crise, o Estado é a primeira vítima. Deixa-se de pagar impostos.

Diante do quadro exposto, do paradoxo da indústria brasileira, e a da redução do valor adicionado criado e distribuído, é que se propõe a lei do retorno do crédito interno para a indústria brasileira. A partir de uma equação simples: tempo de contribuição do imposto devido seja igual ao tempo de comprometimento de pagamento de capital de giro ou de financiamento a médio e longo prazo.

É óbvio que os detalhes desta lei devem ser estabelecidos pelos representantes da indústria, pelos políticos e pelos governos: estaduais e União. Por exemplo, haveria um limite mínimo e máximo de contribuição.

 

Carlos Magno – Economista e escritor.